quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A MÃO DE VELUDO

Enquanto as ondas do mar estouravam na praia o sol ia fazendo sombra entre as pedras, árvores e montanhas. O vento continuava soprando e trazendo a maresia constante que tocava o rosto do menino. A praia era um ótimo lugar para brincar, mas ele achava mais legal observar a natureza e toda sua beleza. Tentava entender como as ondas se formavam, como o vento soprava, como as cores existiam... A natureza é simples, mas ele, em toda sua inocência, queria sempre saber mais, porque tudo o fascinava.

No momento seguinte o menino se levanta e começa a caminhar lentamente pela praia. Estava descalço e gostava de sentir o pé afundar na areia. Às vezes fazia cócegas, principalmente quando era grossa. Mas ele gostava. Outras vezes caçava tatuí na areia, onde estouravam as ondas, junto com seus amigos. Porém, quando estava mais afastado da água do mar, principalmente onde as dunas de areia se formavam, gostava de ficar só. Sentia uma imensa liberdade e esse era um momento só seu, pois era nesse instante que ele se desligava do mundo em que vivia.

Tudo em sua vida poderia ter sido diferente, mas os anos não foram tão generosos com ele. Tentava manter sua mente sempre vazia, através de brincadeiras e atividades escolares e domésticas. Porém, mesmo assim, não conseguia. Era muito difícil esquecer todas aquelas mágoas. Imagens se formavam em sua cabeça como um velho filme em preto e branco, com cenas distorcidas e perturbantes. Verdadeiros fantasmas, onde a única coisa que o aliviava eram suas constantes caminhadas a só na praia.

Muitas vezes a solidão é bem-vinda. Nos acalma. Mas no caso daquele menino era muito mais que isso. Era como se lavasse sua alma.

Há exatamente um ano o menino presenciou sua mãe ser violentamente espancada até a morte e, após isso, viu o estupro do cadáver esticado no chão. Porém, aquelas cenas teriam sido menos horrendas se os autores de toda aquela atrocidade não tivessem sido seu pai e seu irmão mais velho. Por mais estranho que seja o que será que levaria um marido e um filho a cometer tamanha insanidade contra a “Rainha do Lar”? Bem... em cidades pequenas sempre prevaleceram a lei do mais forte e do machismo. E, infelizmente para aquela mulher, essa lei acabou batendo na porta de sua casa como um trem desgovernado, destruindo tudo à sua frente.

Voltando no tempo poderemos compreender melhor como tudo aconteceu!

Já era tarde quando a mãe do menino saiu para comprar os ingredientes para fazer o jantar. Seu irmão e seu pai trabalhavam juntos na lavoura, embaixo de um imenso sol escaldante. E, como de costume, picadas de formigas e cobras eram comuns. Mas uma traição... imperdoável. E foi exatamente nesse dia que algo inesperado aconteceu.

O marido e o filho, já dominados pelo álcool que tomavam entre os intervalos do serviço, viram a mulher numa situação que acharam desagradável: A mãe do menino estava conversando com um amigo. Ele era o marido de sua melhor amiga, porém desconhecido por seu marido e seu filho mais velho devido às constantes presenças de embriagues que os impedia de memorizar a fisionomia daqueles que freqüentavam sua casa.

Num ataque de ciúme os dois separaram violentamente a mulher do homem que, imediatamente, ficou sem ação. Os dois eram grandes e fortes. Então, sabiamente, ele decidiu abaixar a cabeça e sair de mansinho.

Todas as pessoas que estavam à volta viram o momento em que a mulher foi arrastada pelos cabelos, acompanhada de muitos gritos de insulto, tapas, socos e chutes. Foi possível ver claramente o momento em que os dois homens covardemente quebraram a mandíbula da mulher para que ela não gritasse mais. Pode-se ouvir o barulho dos ossos se partindo ao meio, acompanhado de muita dor e sofrimento. Sua expressão foi ficando terrivelmente amarga, triste e desfigurada, no mesmo momento em que tentava entender o motivo de tamanha loucura. Sentia-se dentro de um pesadelo que parecia não ter fim.

Alguns passos à frente os dois homens decidem, em mais um momento de covardia, “lavar a sua honra”. Pegaram uma imensa pedra e, após mirar, entre um cambalear de pernas e outro, atingiram a coluna da mulher com uma violência indescritível. Como ela não conseguia gritar, gemeu, já sem forças para lutar. A partir daí ela nunca mais poderia andar. Havia rompido a medula.

Olhos desesperados choravam, principalmente das mulheres dos lavradores e crianças. Não havia o que fazer. Além disso, muitos tinham medo de piorar ainda mais a situação. Se é que havia como piorar...

A presença daquela violência foi ficando marcada pelo sangue inocente desde o chão de terra até a casa em que moravam. Era uma velha e humilde casa de pau-a-pique, devido à raridade de tijolos por aquela região.

Para se ter uma noção de tamanha pobreza bastava dizer que não havia água potável, energia elétrica e, tampouco, redes de esgoto. Fossas e poços artesianos eram mais comuns.

As crianças que estavam na escola nunca presenciavam coisas desagradáveis de família. Mas naquele dia tudo havia sido diferente. O menino quis ver o pai e o irmão chegando do trabalho. Queria fazer-lhes uma surpresa com um presente que ele mesmo havia feito com as conchinhas que pegava na praia. Eram dois cordões muito bonitos, mas que não puderam ser entregues. Tudo havia acontecido muito rápido e o garoto tinha medo que acontecesse o mesmo com ele.

A violência prosseguiu sem fim até o momento em que o pai decide bater a cabeça da esposa várias vezes no chão. O sangue começou a jorrar de sua nuca. Então, ela aos poucos foi desfalecendo, até o momento em que não pôde mais respirar. Seu corpo coberto de sangue e escoriações, além de hemorragias internas, já possuía o cheiro de morte.

Os dois “animais” da casa, ainda insatisfeitos com sua vingança, decidem rasgar o vestido do corpo já sem vida. No instante seguinte começaram a estuprá-la com violência. Suas risadas infernais penetraram nos tímpanos do menino que se encontrava escondido atrás da porta da cozinha. Apavorado ele decide fechar os olhos, pois não conseguia mais ver o corpo ensangüentado e o rosto desfigurado de sua mãe.

O menino não compreendeu nada do que estava acontecendo porque não sabia o motivo da briga. Mas sabia que era uma coisa muito feia e errada, porque sua mãe sempre dizia que “em uma mulher não se bate nem com uma flor.”

Terminada a insanidade o pai e o filho mais velho percebem a idiotice que haviam feito. Decidem, então, enterra-la na praia, pois sabiam que era deserta e ninguém aparecia por lá de noite.

O garoto acompanhou os passos cambaleantes do pai e do irmão. Começou a sentir uma coisa ruim que ninguém nunca havia lhe explicado. Mesmo assim, entre um arbusto e uma árvore, ele foi acompanhando o secreto velório de sua mãe. Era triste, mas ele tinha que fazer aquilo.

O vento da praia tocava seu rosto como uma seda no mesmo instante em que o acalmava naquela situação tão desagradável.

As horas se passaram e tudo já havia terminado. Seu pai e o irmão foram para casa se embriagar mais, achando que toda aquela loucura acabaria nuns goles de cachaça. Já o garoto decidiu se aproximar da cova da mãe. Agora começava a sentir medo.

Então pensou sozinho:

“-Será que mamãe está conseguindo respirar embaixo dessa areia?”

Incrivelmente uma forte luz se forma ao seu lado. Em seguida uma mão aveludada toca seu ombro. Quando se virou percebeu a presença de sua mãe. Ela estava linda e ninguém mais poderia machucá-la.

Ingenuamente o menino perguntou:

-Mamãe, como você fez isso? Não vi você sair da areia...

Ela olha o filho com ternura e diz:

-Vamos fazer uma coisa? Venha aqui toda a noite sozinho para passearmos na praia que um dia eu te conto, está bem?

-Tá bom mãe!

Após esse dia, todas as noites os moradores da cidadezinha comentavam que viam um menino andar sozinho pela praia e não conseguiam entender porquê aquela criança não tinha medo do escuro.

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